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  • 1 Faculdade Dom Pedro II - São Carlos-SP (1928-2009)
    Acervo Valentim Gueller Neto
  • 2 Bonde da Carne São Carlos–SP (1912-1962)
    Acervo Raymond DeGroot
  • 3 Estação Ferroviária de São Carlos-SP (1925)
    Acervo Valentim Gueller Neto

Estação 109 - Os Lazaretos De São Carlos - SP

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Conversando com o amigo e escritor Lucas Segnini Tiberti, Assistente Administrativo da Secretária do Cemitério Nossa Senhora do Carmo, São Carlos - SP, ele propôs uma postagem com alguns dados sobre aquele cemitério.  E depois, pensando também em tudo quanto cada cidade passou em 2020 e 2021 tendo que instalar hospitais de campanha e leitos de UTI por causa da COVID-19,  fez com que o Lugar do Trem resgatasse alguns locais que aconteceram  em São Carlos - SP no final dos séculos XIX e início do XX para cuidar de pessoas com doenças contagiosas.  Se  atualmente,  tudo foi muito difícil e improvisado  para o atendimento à pandemia da COVID-19, imagina como foi naqueles anos passados para o atendimento aos enfermos da varíola, lepra (hanseniase), febre amarela, gripe espanhola e peste bubônica.   Em São Carlos os locais que se prestaram ao tratamento de doenças contagiosas, conhecidos como lazaretos, com o passar dos anos e a ocupação urbana foram caindo no esquecimento e hoje constam apenas de livros dos historiadores da cidade, trabalhos acadêmicos e nas memórias dos são-carlenses bem idosos. Foto 01

                   VILA PUREZA
      
Localiza-se à Oeste, foi loteada em 1891 e nela localizavam-se  quatro lazaretos. Foto 02   














         

Três deles, foram onde hoje são unidades da USP São Carlos - campus I.  Foto 03      
 
                                                                                    

O primeiro,  datado de  1888, foi construído pela  municipalidade de São Carlos, um lazareto  variólico na região onde é atualmente o Restaurante Universitário. (01) Destinava-se  à realização de quarentena ou tratamento dos contaminados pela varíola.   Foto 04  


 
O segundo,  também de 1888,  construído pelo município na região onde é atualmente o Observatório Astronômico Dietrich Schiel. (02)  Deste, a mãe do Lugar do Trem, Anna Cavazini Röhm, tinha lembrança de quando menina, mais ou menos  em 1933, que naquela região havia um local murado e lacrado que todos temiam e passavam longe por te sido um lazareto. Foto 05                                                                                                    

Depois de ser lazareto para os contagiados pela varíola, em 1910  foi  Estação de Zootecnia "Dr. Pádua Salles" (03)  e, em 1952, toda a área de aproximadamente 100.000 metros quadrados foi doada pela Prefeitura Municipal para a USP - Universidade de São Paulo para a construção do E-1 edifício principal da EESC - Escola de Engenharia de São Carlos. (04)   Foto 06
 

O terceiro lazareto foi onde é hoje  um Laboratório de Ensino e Pesquisa do ICMC - Instituto de Ciências Matemáticas e Computação. Foto 07


Em 1907, o poder público construiu um Hospital de Isolamento,  Hospital dos Lázaros com uma colônia de cinco  casas para abrigar os doentes da lepra. (05) A rua que  dava acesso ao hospital era conhecida por rua do lazareto e, em 24  de outubro de 1938, passou a ser Rua  Orlando Damiano. (06) Em 1940, foi uma escola de aprendizado agrícola (07) e em 1949, passou a ser a ESEF - Escola Superior de Educação Física, (08) onde se formaram grandes nomes do esporte brasileiro e, em 1967, foi doado pela municipalidade para a USP, tendo se tornado o CPD - Centro de Processamento de Dados, onde foi instalado o computador IBM 1130, "cérebro eletrônico", o primeiro computador da grande região. (09) Foto 08


O quarto lazareto da Vila Pureza, aconteceu em 1896, quando o primeiro pavilhão do prédio antigo da Santa Casa que foi fundada em 1891, estava sendo construído. Foto 09


Naquele mesmo ano  da construção,  uma violenta epidemia de febre amarela assolou São Carlos e o pavilhão em construção, foi transformado em lazareto  para os pobres. (10)  A inauguração da Santa casa deu-se oito anos depois, em 1889. Foto 10

                                        VILA NERY    
    
A Vila Nery existe desde 1889 e possui um dos cartões postais mais lindos da cidade que se transformou na identidade do bairro, o Balão do Bonde.  Foto 11

 
Localiza-se ao Leste e foi o primeiro bairro da cidade e nele localizava-se um lazareto.  Foto 12


Conversando com a costureira das noivas,  Sra. Yvone Petrucelli Catoia, com 89 anos e moradora daquela Vila desde criança, ela  contou que quando criança, na região próxima de onde é hoje  o reservatório de água do SAAE - Serviço Autônomo de Água e Esgoto,  Foto 13



havia a chácara do Brandão e nela um lazareto, e que costumava passar em frente com o pai, a pé, quando ele ia em uma chácara mais a frente,  Foto 14

 

No mesmo ano que o município construiu o Hospital dos Lázaros na Vila Pureza, em 1907,  o Capitão da Guarda Nacional, Luiz Gonzaga Pereira Brandão fundou a Villa Hansen, em sua propriedade rural, na Vila Nery,  onde construiu um hospital de isolamento e doze casas caiadas, ladrilhadas e sem forro, para abrigar os doentes da lepra. Tinha cinco funcionários e somente dois renumerados.  Naquele ano, foi presidente da   Sociedade Protetora dos Lázaros, fundada em 1907, que ele mantinha naquela vila.   Era dentista, nasceu em Queluz-SP, em 1851 e chegou em São Carlos em 1884.  (11)  Foto 15          
                                                                                                                                                       

Quando os hospitais estaduais passaram a cuidar daqueles doentes, os da Villa Hansen foram transferidos para o Asilo-Colônia Aimorés de Bauru, em 1933, (12)  Foto 16


A Vila Hansen foi então desativada, demolida e incendiada naquele ano, Foto 17

não havendo mais vestígios de sua existência. (13)  Foto 18

                                    CENTRO

No centro da cidade,  entre 1895 e 1918, localizaram-se três  lazaretos.   Foto 19


O primeiro onde é hoje o Mercado Municipal "Antonio Massei", inaugurado em 1968.  Foto 20

Sucedeu o primeiro Mercado Municipal da cidade que era de 1903.    Foto 21

Anexo, havia a  Praça Santos Dumont. O primeiro mercado  e a praça foram  demolidos em 1966, para a construção do atual mercado. Foto 22

Naquele local em 1895, morava Jesuíno José Soares de Arruda, um dos fundadores de São Carlos. A chácara onde morava foi cedida para ser um isolamento (14) para os acometidos da febre amarela.  Foto 23  

O segundo foi no prédio antigo da Câmara Municipal que localizava-se na Praça Coronel Salles, com frente para a Avenida São Carlos. (15) Lá esteve entre os anos de 1884 e 1921 quando foi transferida para o Palacete Conde do Pinhal.  E, em 1952, para o prédio atual, Edifício "Euclides da Cunha". Foto 24

Em 1918, foi instalado  um hospital de isolamento da Câmara Municipal para os "soldados do destacamento" acometidos da gripe espanhola, "influenza hespanhola". (16) Foto 25

E o terceiro, foi na  Escola Normal Secundária, fundada em 1911 e inaugurada em 1916. (17)   Através dos anos teve vários nomes oficiais ou populares, Escola Normal, Escola Normal de São Carlos, Escola Modelo,  Instituto de Educação "Dr. Álvaro Guião", Instituto e atualmente, Escola Estadual "Dr. Álvaro Guião".      E também em 1918, nela foi instalado um "novo hospital" da Cruz Vermelha Sancarlense, para atender os indivíduos comuns contagiados pela   gripe espanhola. Foto 26   

      CEMITÉRIO NOSSA SENHORA DO CARMO 

Foi inaugurado pelo município em 1890 e sucedeu os antigos cemitérios de São Carlos:  dos escravos, no Córrego da  Biquinha; o do interior da antiga igreja Matriz; o anexo à capela de São Benedito, entre 1857 e 1882 e o da Vila Nery, entre 1882 e 1890. (18) Foto 27      

localiza-se ao Norte da cidade. Sua área é de 15 hectares e nela estão 25.000 sepulturas onde estão sepultados 100.000 mortos. (19) Foto 28

Com contorno em laranja, no centro, a quadra epidêmica - Foto 29


Logo de início,  foi criada a quadra epidêmica, por causa da epidemia da varíola, onde os corpos das pessoas que haviam falecido por doenças contagiosas eram sepultadas. Esse lazareto ficava no fundo do cemitério, próximo do muro que existia, antes de sua demolição, para a ampliação daquele Campo Santo. Hoje, localiza-se mais na área central do mesmo. Destaque em laranja,  Foto 30   


Trocando informações com o   Lucas Segnini Tiberti,  ele contou que a quadra epidêmica do Cemitério Nossa Senhora do Carmo tinha 966 sepulturas e no início do século XX, (após o cumprimento da quarentena), os restos mortais da grande maioria das sepulturas foram exumados e transferidos para o ossário;  e os terrenos foram retomados e destinados para novos sepultamentos. E com base nas datas das sepulturas subsequentes, o processo de retomada dos terrenos pode ter começado entre 1917 e 1919 e concluído em 1940.  Após mais de 130 anos, só ficaram naquele local sete sepulturas remanescentes que as famílias compraram os terrenos. Esta da foto já está sofrendo a ação do tempo e não está passando por manutenção. Foto 31


 Esta com as grades e a cruz bem pintadas, Foto 32

tem datas de sepultamentos de 1896 e 1898, mas a alvenaria está sem cuidados. Foto33

Esta,  cercada com grades originais já envelhecidas e provavelmente na terra, como eram a grande maioria das sepulturas da quadra epidêmica. Foto 34

Sua data é de 1897. Foto 35

Esta elevada em alvenaria original,  Foto 36

 de 1898. Foto 37

Nos livros de registros de sepultamentos do Cemitério Nossa Senhora do Carmo e arquivados na Fundação Pró-Memória de São Carlos, há registros dos falecimentos daqueles anos citando o local do sepultamento como lazareto. Foto 38   
Transcrição dos contornos em laranja:  Sepultamento  14/01/1898
Sepultado em lazareto
                                                                                             

Transcrição dos contornos em laranja:  Sepultamento  07/5/1898 
Sepultado no lazareto                Falecido de varíola    Foto 39                                                  
                                                  

Transcrição dos contornos em laranja: Sepultamento  07/02/1902     Sepultado em lazareto    Foto 40                                                                                                      
 CRONOLOGIA DOS LAZARETOS

 DATA

 ●LOCAL ATUAL  OCORRÊNCIA

 DOENÇA

1888 

Região do Restaurante Universitário  da  USP – São Carlos  Lazareto 

Varíola 

1888 

●Região do Observatório Astronômico Dietrich Schiel da USP – São Carlos   Lazareto

 Varíola

 1890

●Cemitério Nossa Senhora do Carmo                          Quadra Epidêmica

varíola, peste bubônica, febre amarela, lepra e gripe espanhola 

1895 

●Mercado Municipal “Antonio Massei”                             Chácara do Jesuíno José Soares de Arruda - Lazareto

Febre Amarela 

 1896

●Irmandade da Santa Casa de Misericórdia                       Primeiro Pavilhão - Lazareto

Febre Amarela 

 1907

 ●Laboratório de Ensino e Pesquisa do Instituto de Ciências Matemáticas e Computação da USP – São Carlos             Hospital dos Lázaros      

Lepra 

1907 

 ●Região do Reservatório de água do Serviço Autônomo de Água e Esgoto     Vila Hansen

Lepra 

1918 

 ●Praça Coronel Salles                                                       Hospital de Isolamento no antigo prédio da Câmara Municipal

Gripe Espanhola 

 1918

 ●Escola Estadual “Dr. Álvaro Guião”                                      Novo Hospital da Cruz Vermelha  Sancarlense    

 Gripe Espanhola

Em 30 anos a cidade instalou oito lazaretos de atendimentos,
 mais a quadra epidêmica do  Cemitério Nossa Senhora do Carmo.

AS DOENÇAS CHEGAVAM DE TREM        
A ferrovia chegou em São Carlos em 1884. (20)  Em 1889, a febre amarela se manifestou predominantemente em Santos e Campinas com a chegada dos imigrantes contaminados no porto de Santos. Os trens da SPR - The São Paulo Raiway Company, Limited, os transportavam  daquele município para a cidade de São Paulo e depois através dos trens da CPEF - Companhia Paulista de Estradas de Ferro, seguiam para o interior do Estado de São Paulo.   Foto 39

Em 1891, praticamente todas as cidades servidas pela CPEF  até São Carlos.  foram afetadas pela febre amarela.   O mesmo aconteceu com a variola. (21)  Foto 40                                                                                      

Daqui alguns anos, alguém vai escrever sobre os lazaretos atuais, os da covid-19.


CRÉDITOS:
FOTOS:
01, 15, 16, 17 e 18: Almanack Annuário de São Carlos - 1928
02, 12, 19 e 28:  - Mapa de São Carlos -  Acervo Museu Paulista da USP e Wilkipdia
03: Luiz Carlos Barbano -  Mapa ilustrativo do Campus USP São Carlos - Área I 
04 e 07: José Alfeo Röhm
06: Fotograma do filme Oeste Filmes - 1927 - Acervos José de Oliveira, "Zé Pintor" e Valentim Gueller Neto. 
08: Acervo Valentim Gueller Neto
11: William Janssen
13, 14 e 27: Googles Maps
21: Filemon Pérez - Acervo Fundação Pró-Memória de São Carlos
22: Acervo Foto Arte - José João "Alemão"
23: Recorte, acervo Valentim Gueller Neto
25: Porceno Marino - Álbum do Centenário de São Carlos, 1857 - 1957 - Octavio Carlos Damiano - Acervo Sergio Paulo Doricci
26: Álbum de Formatura de 1919 da Escola Normal Secundária de São Carlos - Acervo Valentim Gueller Neto
29 a 37:  Lucas Segnini Tiberti
38 a 40: FPMSC - Fundação Pró-Memória de São Carlos - Acervo Lucas Segnini Tiberti
41: Filemon Pérez - Acervo Antonio Carlos Lopes da Silva
42: São Carlos na Esteira do Tempo - Texto de  Ary Pinto Das Neves - Desenhos de Julio Bruno 

REFERÊNCIAS: 
01 e 02: Costa, Natalia Alexandre, 2015, pg 55
Espaços Negros Na Cidade Após Abolição - São Carlos, um estudo de caso

03: Neves Ary Pinto e Bruno Julio, pg 75 
São Carlos na Esteira do Tempo - 1984

04: Braga, Cirilo- Facebook - 09/02/2022

05: Bortolucci, Maria Angela Pereira de Castro e Silva , 1991, pg 77 e 78
Moradias urbanas: construídas em São Carlos  no período cafeeiro

06:  Neves Ary Pinto e Bruno Julio, pg 06
São Carlos na Esteira do Tempo - 1984

07: Cadastro Imobiliário de 1940, pg 107
Prefeitura Municipal de São Carlos

08:  Neves Ary Pinto e Bruno Julio, pg 96
São Carlos na Esteira do Tempo - 1984

09: Azzolini, Walther Junior
CPD 50 anos: 1967-2017: Comemoração do quinquagenário da criação do Centro de Processamento de Dados - http://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/671

10: Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Carlos - - https://www.santacasasaocarlos.com.br/QuemSomos/SantaCasa

11,12 e 13: Maurano, Flavio.  História da Lepra em São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1939 https://www.google.com.br/books/edition/Historia_da_lepra_em_S_Paulo/R8UrAQAAMAAJ

14: Machado, Maria Lucia Teixeira, 2004, pg 164
Tradição e Tecnologia: a história oral e escrita da atenção a saúde em São Carlos

15: Câmara Municipal de São Carlos

16 : Machado, Maria Lucia Teixeira, 2004, pg 173
Tradição e Tecnologia: a história oral e escrita da atenção a saúde em São Carlos

17: Neves Ary Pinto e Bruno Julio, pg 88
São Carlos na Esteira do Tempo - 1984

18 e 19: Tiberti Lucas Segnini - Mapa das quadras do Cemitério Nossa Senhora do Carmo
Prefeitura Municipal de São Carlos - Secretaria Municipal de Serviços Públicos -SMSP 
Seção de Cemitérios- SC - Versão 04/10/2019 - Imagem de satélite: Google Maps 2019

20: Neves Ary Pinto e Bruno Julio, pg 19
São Carlos na Esteira do Tempo - 1984

21: Machado, Maria Lucia Teixeira, 2004, pg 161
Tradição e Tecnologia: a história oral e escrita da atenção a saúde em São Carlos

PARTICIPARAM:
Antonio Carlos Lopes da Silva
Florinda Chiusoli Doricci  
Maria Nazareth, Daniel e Lika Röhm 
Luís Carlos Barbano 
Yvone Petrucelli Catoia
Sergio Paulo Doricci
Valentim Gueller Neto

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL E PESQUISA:
Lucas Segnini Tiberti

Obrigado por sua agradável companhia, nos encontraremos certamente na Estação 110.
                                                         Abraços, Alfeo.

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